sábado, 10 de janeiro de 2009

Um breve comentário

‘’Somos a mistura do branco ladrão , do índio preguiçoso e do escravo covarde”, foi assim que Arnaldo Jabour iniciou uma palestra em Minas Gerais , provocando mais de mil profissionais de História que ali se encontravam.
O tema da formação do povo brasileiro é complexo, pois analisar três etnias com suas respectivas particularidades é um missão escorregadia e perigosa ainda mais pelo fato de que , como provoca Jabour , este tema é a espinha dorsal da formação étnica do povo brasileiro. Poderíamos concordar com esta seleção étnica, no entanto , não concordamos com a sua provocação, pois o argumento como propositalmente narrado pelo palestrante incorre em erros e equívocos históricos grosseiros que com um pequeno esforço intelectual seria este pseudo argumento histórico implodido em sua nascente. Aceitaremos a provocação:
O Brasil realmente possuí as cores étnicas descritas acima , por sua vez Eduardo Bueno, no seu famoso livro Náufragos , traficantes e degredados, direciona- nos para uma compreensão melhor destes termos étnicos.O branco, no caso o europeu ,respirava os ares do Antigo Regime exposto principalmente quanto as práticas políticas e econômicas ( Absolutismo e Mercantilismo) e numa sociedade que possuía amarras rígidas quanto a mobilidade social ( estamentabilidade). Não nos interessa esta análise , mas ,sim, o fato de que o europeu moderno principalmente portugueses e espanhóis viam na América uma possibilidade de enriquecimento rápido através das riquezas minerais do novo Continente , como propaga Eduardo Galeano nas Veias Abertas da América Latina, deste modo trouxeram os europeus suas práticas sociais dentre elas a ambição mercantil, a fé católica, a educação européia e principalmente o preconceito.
O índio ,o nativo , aquele que ocupara estas terras originalmente , foi violentado em sua cultura. Este vivia uma fase de sua evolução ainda submetida à natureza e não com a transformação desta como viviam os europeus, desta forma o domínio europeu , bem como o genocídio bacteriológico, como afirma Todorov, foi uma forma de dominação de uma cultura mais desenvolvida belicamente sobre outra que não passara por esta fase. A atual concepção de trabalho estava sendo forjada na Europa, principalmente devido à Reforma Protestante, mais precisamente a idéia de trabalho construída por Calvino , neste âmbito houve o que chamamos de contato interétnico e deste momento histórico surgiu a falsa premissa de que os índios seriam ‘’indolentes ‘’, pois foram obrigados a trabalhar quando não precisavam , afinal a vida não lhes impunha esta necessidade, os índios não entendiam porque não houvera Reforma Protestante na América, nem tampouco um João Calvino.
O negro africano se tornou escravo durante a modernidade ante uma teia de eventos históricos que proporcionaram este fato. A expansão marítima comercial transformou os homens negros da África em moedas, pois estes tinham que trabalhar obrigatoriamente sem pagamento porque a mentalidade da época ,inclusive a religiosa, baseiava-se na crença estapafúrdia de que eram os negros inferiores , sub-espécie, sub-raça e deste modo expiariam seus pecados no trabalho árduo e forçado . A justificativa escravocrata também era filosófica, pois Aristóteles em A Política a defendia ainda que de modo diferenciado (na Antiguidade havia escravidão por dívidas e prioritariamente para prisioneiros de guerra), desta forma a prática da escravidão possuía apelos ideológicos fortíssimos e a forma de imposição do branco sobre o negro africano escravizou também sua alma e deixou marcas profundas na personalidade negróide e também em nossa sociedade até os dias de hoje.
Perceba que não precisamos de muitos esforços para aniquilar uma premissa falsa que permeiou gerações , penetrou nossa sociedade , entranhou –se nas pessoas e ,como diz Gilberto Freire em Casa Grande e Senzala , elaborou nosso conceito de “homem cortês”. Somos preconceituosos , interesseiros, individualistas ,altruístas, sentimentais e até bonzinhos, mas o que vem ao caso é que ao compreender o povo brasileiro como nos legou Darcy Ribeiro possamos quebrar uma herança histórica e respeitar os diferentes grupos sociais , na medida em que não somos juízes do outro , pois não nos cabe julgar e ,sim , conviver mesmo que não concordemos com suas práticas.



Bibliogafia:

BUENO,Eduardo Náufragos, traficantes e degredados - As primeiras expedições ao Brasil , Editora:Objetiva, 1998
FREIRE, Gilberto , Casa Grande & Senzala, Global Editora , 48ª Edição , 2006
GALEANO, Eduardo , As Veias Abertas da América Latina, Editora Paz e Terra, 44ª edição
JABOUR, Arnaldo , “Quem é o Brasil", palestra ministrada pelo jornalista e cineasta na Convenção de Saúde de Minas Gerais 2001
(http://www.ahmg.com.br/index.asp?Metodo=ExibirDet&Chave=1393)
RIBEIRO,Darcy , O Povo Brasileiro: A formação e o sentido do Brasil, Companhia da Letras – 1995, 2ª Edição
SCHÜLER,Arnaldo (Tradutor) , A Confissão de Augsburgo (1530 - 1980) , Editora Sinodal , RS, 1980
TODOROV,Tzvetan , A Conquista da América , Editora Martins Fontes, 1983
WOLFF, Francis,Aristóteles e a Política , Coleção: Clássicos e Comentadores, Editora: Discurso, 1ª Edição - 1999

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